#02 - fora do script| JOVEM DEMAIS PRA SER VELHA
- Redação - Pauta Local
- 17 de ago.
- 2 min de leitura
Atualizado: 17 de ago.
Por Susana Barros*
Não assimilei por completo que tenho quarenta anos. Quando alguém me chama de senhora, experimento um pequeno desgosto; e se me dizem que minha gíria está desatualizada, me surpreendo, uma vez que ainda não compreendi que envelheci.
FOTO: ARQUIVO PESSOAL

Talvez isso se dê por conta do meu referencial sobre o que é ter quarenta. Se meus pais, quando tinham a minha idade, possuíam carro e casa quitados, filhos adolescentes, trabalho estável e já contavam os anos para se aposentar. Eu, enquanto isso, procuro uma air fryer para chamar de minha.
E, no entanto, enxergo indícios da chegada da idade. Pois só gosto de assistir programas de auditório e de culinária; durmo e acordo muito cedo; tenho dores no joelho, no ombro esquerdo, problemas no intestino e queda de cabelo. Cuido de plantas, jogo buraco e tomo litros de café por dia, além de chá de alecrim, erva doce e boldo, para melhorar a digestão.
De uma hora pra outra também aprendi que determinadas opiniões alheias não importam, dei um basta em quem absorvia minha energia e me deixava mal, comecei a dizer o que penso e a rir de mim mesma.
Além disso, os quarenta vieram atrelados à uma repentina autoaceitação. Antes, quando não pecava pelo excesso de regime, comia até vomitar. E nunca estava bom, se eu distorcia minha imagem diante do espelho. Hoje, estendo a canga e me bronzeio de fio dental; e vou pra academia de shortinho e top. No fone de ouvido, coloco um Grafitão, já que agora sou gostosa de quebrada.
E aceito meu peito caído, se é um sinal de que amamentei; e as linhas no meu rosto, se são provas das minhas inúmeras gargalhadas. Quanto ao cabelo branco, não amadureci a ponto de deixá-los como querem estar. Mas acolho minha vaidade e faço luzes porque sou jovem demais para parecer velha.
Não tenho, contudo, receio de envelhecer; só não tenho pressa. Desejo que o tempo passe devagar enquanto minhas filhas crescem, e que os anos sejam longos para que eu possa aproveitar a leveza do aqui e agora. No mais, não tenho urgência de ver meu rosto todo enrugado.
Mas, quando eu estiver parecendo uma ameixa desidratada, espero ter discernimento para me amparar. Se também quero ver meus netos brincando, ser procurada para dar conselhos e então dizer “no meu tempo...”; e quero ficar bem desbocada, com a vista turva, meio surda e achando graça de quando me chamarem de velhinha gagá.

Susana Barros é macauense, graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Autora do livro “O Sucessor do Rei”, Susana é jornalista, quando empregada; e escritora, quando corajosa.
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