#01 - fora do script| O ATESTADO
- Redação - Pauta Local
- 9 de ago.
- 2 min de leitura
Atualizado: 24 de ago.
Por Susana Barros*
Gosto de Bruno Mars. E isso é fato interessante porque quando se escuta a mesmíssima coisa, dia após dia, durante quatro anos consecutivos, a tendência é desenvolver, ao menos, um leve enjoo. No trabalho, durante onze meses do ano, só tocava Bruno, já que em dezembro o que se ouvia eram as músicas de natal.
Na ocasião, trabalhava numa dessas lojinhas onde tudo custava o mesmo preço. Tudo mesmo, da pasta de dentes ao pacote de absorventes. E, no entanto, a pergunta que os clientes mais faziam era:
-Quanto custa?
Repunha o estoque e controlava o caixa. E o que eu ganhava me permitia pagar as contas essenciais, comer macarrão e sopas instantâneas. De vez em quando, juntava um trocado ou outro e conseguia tomar uma cerveja ou comprar Marlboro Lights.
Odiava o trabalho. Era repetitivo, enfadonho e fisicamente exaustivo, uma vez que não era permitido que os funcionários se sentassem. Os clientes eram mal-educados e minha supervisora sofria de abruptas mudanças de humor, indo do riso aos gritos em questão de segundos.
FOTO: ARQUIVO PÚBLICO

Certa feita, resolvi que precisava dar um tempo a toda aquela loucura. Como já havia tirado as férias do ano, restava-me fazer o que todo CLT que se dê ao respeito faz: colocar um atestado. Por vias obscuras, consegui um mês inteiro. O diagnóstico: transtorno bipolar, um distúrbio psiquiátrico que provoca alterações no comportamento, levando a
pessoa a oscilar entre euforia e depressão.
Já que estava doente, pedi a uma amiga que fosse à loja entregar o documento. Em seguida, ela me ligou: “Nunca mais me peça uma coisa dessas. Sua chefe ficou desesperada! A mulher até chorou de aflição”. Enquanto isso, eu gargalhava e tomava cerveja na praia e só me preocupava com como justificar o bronzeado no momento em que retornasse ao trabalho.
Anos depois, quando lojinhas de dois reais já nem eram estopins que provocavam reações emocionais negativas, fui, de fato, diagnosticada com bipolaridade. O psiquiatra, dessa vez, era homem de reputação ilibada e notório saber e não havia por que duvidar da sua determinação.
A princípio, foi complicado compreender o transtorno, até porque a pessoa costuma estar meio maluca quando uma coisa como essa é descoberta. Depois, no entanto, percebi que o irônico castigo do destino não passava de remissão. Se agora posso, sempre que quero, colocar verdadeiro atestado. E então vou à praia, me bronzeio, tomo água de coco e, no fone de ouvido, escuto Bruno Mars.

Susana Barros é macauense, graduada em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo. Autora do livro “O Sucessor do Rei”, Susana é jornalista, quando empregada; e escritora, quando corajosa.
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